No último sábado, fez um sol lindo com poucas nuvens aqui em BH, me lembrando que o outono está pertinho. Depois de uma semana sem colocar a cabeça para fora de casa, peguei o meu fusquinha 68 Akatian e ao som da minha seleção de músicas MPB 1 no Spotify – que além de Clube da Esquina e Zé Renato tem Sting , Burt Bacharach, Amy Winehouse e Cobra Coral – , coloquei o besouro na estrada.

Não foram muitos km, porque vai que o Akatian resolve querer parar para marcar território, né?… Então fomos apenas até a saída de Ouro Preto, um trajeto de uns 50 km. Lucas foi no seu Karmann Guia 68, também vermelho, fazendo a minha escolta.
A combinação de música e estrada sempre para mim é um convite para o meu pensamento viajar…
Desta vez, divaguei sobre o comportamento das pessoas na crise do Covid-19. Para os antropólogos deve estar sendo um prato cheio esse grave momento histórico da humanidade, que não é sem precedentes, já que a gripe espanhola causada pelo vírus influenza matou entre 50 a 100 milhões de pessoas até 1919, nem se comparando até o momento, ao número de mortes de “apenas” 2,7 milhões de pessoas pelo Covid- 19.

É interessante e até curioso notar como cada pessoa reage nesse momento de crise sanitária. Uns embora saibam da ameaça, preferem ignorar que de fato ela exista; outros aceitam essa prova como um desígnio de Deus e que não há como escapar, caso seja o escolhido, parecendo se oferecer ao sacrifício; tem aqueles como eu, que cagam de medo de dar azar e pegar o bichinho, ser entubado e morrer – por isso usam até a N95 e tem no bolso à tiracolo um frasquinho de álcool em spray – ; e por último, tem os mais felizes e despreocupados que vivem como a Paloma, a minha égua no sítio, que não tem nem ideia do que seja o vírus e tem raiva de quem sabe.

O fato é que todos, independente da sua crença, mais ou menos, estão sendo afetados pela pandemia do Covid-19 e isso tem causado mudanças no comportamento de muita gente.
Não sei se algum dia, os três beijinhos no rosto dos cariocas, ou apenas um dos paulistas, mineiros e belgas e dois dos franceses, vão voltar um dia. Tenderemos a ser como os americanos em que o abraço é sem beijo na bochecha. No pior dos casos, vamos ficar como os japoneses que evitam se tocar a todo custo, apenas dobrando a coluna em reverência ao outro.

O único ponto positivo disso é que pelo menos eu me livro dos chatos que enquanto conversam comigo, insistem em pegar no botão da minha camisa e ficar brincando com ele o tempo todo, ou aqueles que ficam apertando a mão no meu ombro enquanto a conversa durar…
Essa pandemia, confirmou também a tendência que já vinha de que o contato e o trabalho virtual poderia substituir o presencial.
O trabalho em home office e as reuniões por tele-conferência, se antes tinham alguma objeção, elas sumiram… Tenho pena das empresas aéreas e dos que investiram milhões de reais em salas comerciais. O argumento que eu sempre ouvi foi que as visitas comerciais nunca poderiam ser substituídas pelo contato virtual e que o olho-no-olho era essencial, mas será que isso ainda vale?
As salas de cinema que já estavam fora de moda, levaram o seu tiro de misericórdia. Com tantos aplicativos gratuitos como Stremio, Popcorn e outros, aquela restrição de ” filme ainda em exibição nos cinemas ” tenderá a desaparecer em breve. O avant première dos filmes deverá ser exclusivamente na poltrona de casa, assim como já acontece com os filmes do Netflix.
A falta de contato presencial nesse ano que passou tem me causado um estresse novo, até então desconhecido, quando encontro alguém…
Nas vezes em que encontro um mascarado(a) na minha frente, vejo a pessoa como um potencial agente de infecção, independente da cor, credo, gênero ou raça. Noto também que a recíproca é verdadeira, aí eu me tranquilizo porque a neura não é só minha.

Nesses encontros, eu fico em dúvida se ofereço o punho ou o cotovelo à pessoa, já que essas partes podem estar também contaminadas. Cheguei à triste conclusão que estou ficando com medo de gente, assim como a minha mãe tinha quando era pequena… Ela me contava que quando chegava alguém no sítio na comunidade de Lorena, em Londrina, ela corria pro mato de medo!
Desconfio também que o receio de vínculo verdadeiro entre as pessoas aumentou, nesse ano de pandemia e as redes sociais também colaboraram para isso.

O professor Leandro Karnal foi muito feliz no seu último livro ” Dilema do Porco – Espinho” ao utilizar uma metáfora criada por Schopenhauer de que somos como porcos-espinhos no inverno: se nos afastamos um dos outros, sentimos frio mas se nos aproximamos demais, sentimos os espinhos uns dos outros ….

E trazê-la para os tempos atuais:
” As redes sociais me permitem ter uma distância exata das pessoas: não próximo o suficiente para que elas me incomodem, mas me oferecem alguma companhia. Eu praticamente não sinto nenhum espinho, no entanto eu também não vou sentir um calor verdadeiro.”
Infelizmente, estamos trocando relações por conexões, o mundo virtual dá essa sensação de que uma conexão pode substituir uma relação. O que queremos é só o bônus.
Desejo que alguém que me diga ” Rui , você é lindo”, todo dia , nem que isso não seja verdade… ( nesse caso específico, definitivamente não é… eu queria ter nascido um Brad Pitt, mas faltou eu combinar com Ele! )

No fundo, queremos que o outro apenas confirme a imagem que temos de nós mesmos e não damos lado ou intimidade para que ele nos aponte as nossas imperfeições, as marquinhas de celulite no bumbum, por exemplo. Definitivamente, não aceitamos o ônus do relacionamento!
Não queremos ficar sozinhos, tampouco queremos pagar o preço intimidade … Porque com ela vem as dores dos espinhos.
Ontem, eu e Virgínia comemoramos 29 anos de casados, de muita alegria e felicidade, mas muita roupa suja foi lavada com boas brigas nesses anos todos. Relacionar presencialmente com alguém não é fácil, não… podem ter certeza.

Então, o caminho mais fácil e menos tortuoso é se conformar com a água que não está nem quente e nem fria. Por isso, as vendas de bonecas infláveis aumentaram 40% nessa crise:
“Pelo menos elas não discutem a relação depois do rala e rola…” inferi ser esse o motivo do aumento das vendas.
Quando alguém não te agrada nas redes sociais, você bloqueia, ignora ou ainda baixa um aplicativo em que a pessoa jamais vai saber que foi bloqueada. Estamos viciados em emojis, kkkkk, hahahaha, rsrsrsrsrsr , hehehehehe, das figurinhas e dos likes.

Se antes da pandemia havia um movimento para tentar desencorajar ou mitigar o virtual, ele desapareceu. A crise sanitária corroborou o virtual. O presencial, coitado, ficou obsoleto e fora de moda.
Um tipo parecido de miopia também tiveram os que tem TOC de limpeza:
” Os meus procedimentos de limpeza antes da pandemia, eram usar álcool para desinfetar desde alimentos até sapatos e também evitava a todo custo tocar em maçanetas de portas e corrimãos de escadas. Com o Covid – 19, apenas confirmou que eu estava correto e fiquei feliz porque todos estão fazendo o mesmo que eu! “, li um depoimento de um portador de TOC crente que estava no caminho certo, mas sem perceber que na verdade, a sua doença, se agravou mais ainda.
Esses dias, eu estava refletindo porque no código de comunicação atual é imperioso antes de mais nada mandar uma mensagem de texto ou de voz e só em último caso ligar para a pessoa. Simplesmente porque ao falar sem edição você pode “soltar” o que não deve e pode receber um chumbo trocado e ficar de saia justa desnecessariamente.
Com os cinco minutos de tempo de edição que você tem para responder a uma mensagem de texto ou de voz , você terá tempo suficiente para refletir, filtrar ou contar até dez. Assim, a sua imagem é preservada, a ideia é você evitar ao máximo se mostrar ao mundo de cara lavada, como veio ao mundo.
E vamos combinar, hoje em dia imagem é tudo, né? Se uma ligação de celular já nos assusta porque é em tempo real e pode dar merda. Imagina uma conversa olho-no-olho onde o seu corpo pode te trair não combinando muito com a sua fala, denunciando de vez a sua falsidade. Vai que o outro lado perceba? Como dizia o Faustão, quem sabe faz ao vivo!

Mas nem tudo são notícias ruins nesse momento…
Uma notícia boa é o treinamento à frustração com bala de verdade que os jovens estão tendo, principalmente os piás de condomínio. Porque pela primeira vez, essa geração mimizenta está tendo um problema sério na vida e vão precisar ressignificar e se reinventar, isso se quiser sobreviver… Tenho percebido pais de cabelos em pé aqui no prédio. É o tempo de sacudir a poeira e dar a volta por cima. Que oportunidade de ouro!
Mas o melhor que está acontecendo de positivo neste momento caótico do Coronafest, é simplesmente a CONSTATAÇÃO QUE NÃO TEMOS CONTROLE SOBRE NADA…
O controle sobre as nossas relações, os acontecimentos e nossa própria vida, foi nos confirmado na cara dura, que ele não existe e nunca existiu de fato!
E isso não é libertador? Porque se eu não tenho o controle sobre nada, posso viver o hoje com leveza, aproveitando o momento presente em sua plenitude.
O Paulinho Moska na canção O Último Dia, ficou pelado na chuva, entrou de roupa no mar e trepou sem camisinha, antes do mundo acabar …
Bora lá fazer desse limão uma limonada!

Rui Sergio Tsukuda – março/21
https://aposenteidessavida.com/
Grannnnde Rui!! hahaha, que beleza de texto!
Concordo plenamente com você.. somos doidos para o outro reafirmar nossa autoimagem e logo vemos o bloqueio ou o “unfollow” como soluções às nossas insatisfações para com esses contatos.
As ferramentas nos deram mais possibilidades de sairmos como queremos, com o preço do dilema do porco-espinho.
Muito sensível e verdadeiro o que disse, parabéns!!
CurtirCurtir
Oi Rui, a covid não sai de nossas mentes, não é?Até agora 280.000 óbitos, só hoje, 2.842 brasileiros mortos,muitos privados de ter um tratamento decente, com uti e respirador. No domingo, aqui na minha cidade fizeram manifestação a favor das armas e do golpe e pela abertura do comércio. Maioria sem máscara, gritando como loucos… sinto a morte me rondando….tenho medo…
Seu texto é ótimo, me ajuda a refletir esse momento. Abraços!!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Oi Neide, obrigado. Espero um dia que tudo isso passe, mas nunca me senti tão desesperançoso em toda a minha vida; A coisa boa, como falei no texto é a leveza de viver um dia de cada vez… É pouco, mas é o que temos para o momento. abraço
CurtirCurtir
Olá Rui! O seu texto aborda o momento de pavor que atravessamos motivado pelo covid-19. Vivemos sem liberdade, assustados e com receio até mesmo dos nossos familiares mais próximos. A sua forma de relatar os fatos,por mais sérios que sejam ,tem uma conotação engraçada deixando a leitura ilustrada e atraente. Continuemos com os cuidados necessários e intercedemos a Deus que as vacinas sejam eficientes para amenizar os contágios e consequentemente as mortes. Abs
CurtirCurtir
Oi Maria Zita, obrigado pelo comentário que me estimula a continuar escrevendo. Abraço
CurtirCurtir