A mudança

Aprendi com o Montoro, meu querido amigo mestre em estatística que a única coisa certa na vida é a mudança. Algum leitor discordará e dirá que é a morte, mas ela é uma mudança também, com certeza a maior que teremos!

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É muito comum, o mundo corporativo insistir na mudança porque não mudar significa permanecer na zona de conforto que fica em oposição à produtividade, porque a tendência natural é nos acomodarmos a uma situação já dominada. Por isso as empresas de alta performance insistem em não deixar ninguém acomodado, daí o surgimento do chato job rotation.

Quando você está começando a dominar uma área de trabalho ou se acostumando com seu chefe, ele ou você são mudados de área, começando todo o ciclo novamente.

Embora para o corpo ficar em frequente estado de alerta numa situação desconhecida e insegura, talvez tenha o preço a se pagar em longo prazo, com o eventual surgimento de estresse ou síndrome de burnout, o efeito inicial é muito interessante … As pupilas dilatam, a força física aumenta e os sentidos ficam aguçados.

Já ouviram aquela história de mães franzinas que viraram o incrível Hulk do Galo, virando carros acidentados para salvar os filhos ?

Tatear o desconhecido, ser obrigado a estabelecer novas relações e aprender novos conhecimentos e habilidades nos deixa desconfortáveis num primeiro instante, mas a adrenalina em alta e a cortisona correndo solta nas veias é chave também para repensar o trabalho com a visão de alguém que acabou de chegar, com maiores chances de trazer inovação e maior produtividade ao trabalho.

O Drauzio Varella numa palestra em São Paulo, nos contou que você nunca verá um leão se exercitando na savana ao meio dia com o sol à pino, a menos que ele esteja com fome correndo atrás de uma presa, de uma leoa no cio, ao encontro de um outro macho que quer tomar o seu território ou salvando a sua pele fugindo de um caçador com um fuzil nas mãos. Se nenhuma das alternativas acima estiver acontecendo, com certeza o leão estará na sua zona de conforto tirando uma soneca na sombra de uma acácia.

Tranquilo…

Eu como qualquer animal, tenho muita dificuldade à mudança.

Uma vez em São Luís – MA ao tomar o busão para a refinaria às 5:50 hs da manhã , topei com um camarada sentado na minha poltrona cativa. Notem que o meu ponto era o segundo da linha, portanto haviam apenas alguns gatos pingados no lotação praticamente vazio.

De maneira alguma haviam lugares marcados, mas mesmo assim,cada um sentava-se sempre religiosamente no seu assento de costume.

Ao olhar para o rapaz sentado na minha poltrona, pensei…

” Ué , porque com o ônibus vazio esse sujeito escolheu sentar justamente na minha poltrona ? Que afronta ! Será que a cadeira dele tem algum problema ? Estaria suja ou quebrada ? ”

Ele, ao perceber que por alguns segundos eu o encarava, ele não me levou a sério e com um leve movimento dos ombros me ignorou completamente, voltando a cochilar. Como não havia outra alternativa, procurei uma poltrona parecida à minha na janela do mesmo lado do ônibus e me sentei.

Mas continuei incomodado com o meu comportamento…

” Mas porque será que o desgraçado sentou justamente na minha poltrona ? ” continuei a pensar.

Na minha ruminação mental que se seguiu por todo trajeto de uma hora até a Alumar, tentei entender o porquê da minha reação desproporcional ao ocorrido.

Concluí então que na vida valorizamos tanto as poucas coisas que achamos que temos algum controle, porque no fundo, temos a consciência que não temos controle sobre nada nessa vida. Podemos morrer a qualquer momento sem nenhum aviso prévio e isso nos perturba e muito. Daí nos apegarmos a algumas certezas palpáveis, mesmo que sabidamente voláteis, para termos alguma sensação de segurança, é uma reação natural e justificada. Seria como um conforto psicológico ilusório e consciente.

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Ao me sentar na minha poltrona cativa do busão de segunda à sexta, estou no controle da situação. Conheço aquele cantinho como ninguém e posso finalmente relaxar e me acomodar porque meu espaço aéreo está protegido e me sinto seguro. Alguns passageiros até no cochilo ficam em posição fetal denunciando a tamanha segurança.

Sou tão resistente à mudança, que mesmo morando em BH há muitos anos, frequento apenas três restaurantes com assiduidade. Num deles, no restaurante chinês A Grande Muralha ( R. Santa Catarina 781, Lourdes ) trato os garçons e donos pelo nome. Lá sou um verdadeiro comensal habitué.

No Grande Muralha também resisto em variar os pratos. Ao chegar no restaurante, Wilson e Wagner, os garçons, me perguntam:

“O de sempre, Rui ? “

Dois rolinhos primavera de entrada, dois yakissobas especiais com macarrão bem crocante, um arroz primavera com camarão e muita cebolinha e um frango frito ao molho de shoyu ,cebolinha e gengibre com uma latinha 350 ml de guaraná Antártica zero com muito gelo.

Confesso, que se não fosse por influência dos meninos de casa eu nunca teria provado outras delícias do Grande Muralha ou de outros restaurantes de BH .

Devido à minha carreira de engenheiro químico de trecho, tive que mudar por algumas vezes de cidades e estados no Brasil. Eu e a Virgínia, sempre tivemos alguma dificuldade em nos adaptarmos aos novos lugares e costumes locais.

Ao chegar em São Luís- MA , nos assustamos com o calor. Ao desembarcarmos no aeroporto parecia que havíamos caído na boca de um forno literalmente, embora fosse uma da madrugada. Então, partimos desesperados em busca do ar condicionado do saguão do aeroporto.

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Mas ao chegarmos no hotel La Ravardière, onde moraríamos por um mês até encontrarmos uma casa, tomei a decisão de deixar desligado o ar condicionado do quarto enquanto ali estivéssemos.

Justifiquei dizendo:

” Turminha, não somos turistas em São Luís, aqui agora será o nosso lugar por tempo indeterminado, portanto o primeiro passo é acostumarmos com esse calor terrível. Desculpe, mas temos que ter esse choque de realidade “

Interessante como Lucas e a Fofa se adaptaram rapidamente não só ao calor mas também ao sotaque e costumes da região. O meu curió Cuitelinho também se adaptou rapidamente ao calor, desabrochou de vez passando a repetir o canto Praia de 30 segundos a três minutos sem parar !

Com alguns meses de São Luís, nossos bebês nos surpreenderam ao admirar um outdoor na rua:

” Eita , Tu viste pai, ééééguaaaaaa! “

Eu falei …

” Deus do céu, o mundo tá acabando meu bem ! ”

Nessa altura, em poucos meses eles já tinham abandonado aquele sotaque feio da jogadora Hortência de Sorocaba- SP e tinham naturalmente trocado o você pelo tu.

Em 2002, de volta ao Sudeste, com poucos meses em Minas, notamos que os dois já tinham ” deitado” o ERRE e deixado o tu pra lá e voltado ao você ( cê ) e se entregado de vez ao sotaque mineiro de BH.

Eles nos explicaram dizendo que os coleguinhas do Marista riam muito deles pelo sotaque nordestino e o uso da segunda pessoa, então a alternativa foi se adaptar e mudar rapidamente ao sotaque daqui para não serem discriminados.

Interessante notar que tanto eu como a Virgínia, embora tenhamos incorporado alguma coisa do sotaque mineiro, paulista e maranhense no nosso vocabulário, o ERRE dela permanece fiel ao de Goiás e o meu ao do Norte do Paraná.

Depois de alguns anos morando em BH, Lucas me cobrou:

“Pai, acho que já está na hora da gente se mudar de BH, já estamos aqui há cinco anos, precisamos começar tudo de novo em outro lugar. Aqui tá ficando tudo muito igual e chato.”

Mas aqui ficamos e estamos em BH há mais de 20 anos.

Agora que eu e a Virgínia já aposentados, finalmente podemos nos mudar para onde quisermos, eu penso:

” Mas que preguiça meu Deus… começar tudo de novo numa nova cidade … procurar casa / apartamento, arrumar um clube / novos parceiros de tênis, procurar um Centro Espírita para ela e um mecânico para o Fusca, conhecer novos amigos …

E você, é também tão avesso à mudança como eu sou ?

Rui Sergio Tsukuda – agosto/21

https://aposenteidessavida.com/

15 comentários em “A mudança

  1. Grande Tsukuda meu amigo e meu alavancador de carreira.
    Todos nós somos resistentes à mudança.
    Contudo, há 10 anos quando me separei a mudança na minha vida se iniciou e até agora estou em constante mudança.
    Forte abraço

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    1. Olá meugraodeareia. Puxa , morar na China deve ser uma experiência interessante com certeza. Mudar e coçar é só começar… É como nascer de novo, mas tem o seu preço. Abraço

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  2. Parabéns Rui. Excelente. Seus comentários me faz lembrar das mudanças de bairros, das diversas casa que moramos em São Luís. Assim também, nas diversas cidades que passamos.

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    1. Obrigado Fernando pelo comentário . A ilha magnética é maravilhosa. Foi uma experiência inesquecível para mim e para a família. Continue visitando o blog. Abraço

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    1. Oi Guima, conto o milagre , mas não dou o nome do santo .kkkk
      Obrigado pelo comentário.
      Você e sua família são especialistas em mudança… Mudar de país não deve ser fácil não, é preciso muita coragem. Abraço

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  3. Caro Rui,toda mudança requer de nós adaptações que muitas vezes fogem dos nossos desejos ,contudo ,podem trazer melhorias de vida.
    Grande abraço extensivo a minha querida amiga Virgina e filhos.

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  4. Bom dia, meu amigo Rui!
    Mais um texto que nos coloca dentro dele, fazendo nos indentificar.. muito bom!
    Realmente, acho que mudanças não são fáceis a ninguém e você, mesmo com sua resistência, mudou bastante, né?! Nos endereços, pelo menos, hehehe.
    Que bom que está escrevendo bastante, logo lerei os outros textos, ok??
    Abração pra você, garoto!!

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