O Tempo, as Jabuticabas e o Tornado

 

Num dia desses, assisti a um documentário do Netflix muito legal que se chama “ Quanto tempo que o tempo tem ” de Adriana Dutra. De tão bacana e tão conectado ao meu momento que saí da toca . Voltei a escrever depois de um hiato de 2 anos !


Mas o que é o tempo? Na escola de engenharia, aprendi que o tempo é a medida da sucessão dos eventos, portanto se não houvessem eventos não haveria o tempo. Lá também aprendi com o prof. Barsotti que uma reta é uma curva de raio infinito.

O engraçado é que todos sabem, cada um a seu modo, o que é o tempo, mas se perguntado de chofre temos dificuldade em defini-lo. Parece um pouco como o amor…

O fato é que nós só temos o presente. O passado se foi, portanto não existe mais e o futuro não existe ainda, embora tenha bom potencial para existir. E pior, o presente, que é a única coisa que temos, é um limiar de um instante, logo ele vira passado e deixa de existir. Entendo o presente como sendo uma sucessão de snapshots, assim como dominós que vão caindo em sequência. Meio filosófico, né?

O que nos sobra, infelizmente, é a angústia em saber que, embora sem saber definir o que é o tempo ou como caracterizá-lo muito bem, temos consciência que o danado tá passando e a galope.

Essa consciência que o Tornado, meu cavalo MM castrado de 10 anos não tem, que me inveja. Ele come quando tem fome, toma água quando tem sede, defeca e urina quando e onde bem quiser e corre de mim quando me vê, pois sabe que o dia dele vai ser duro… Coitado, quando dá sorte de encontrar uma égua, fica todo animado se achando, mas aí lembra que é um eunuco e volta a comer capim…

Começamos a morrer desde que nascemos, mas vivemos como se a morte não existisse, essa inconveniente realidade somente volta à ordem do dia quando alguém próximo de nós salta de repente para o outro lado. Ficamos chocados com a perda, porque a ideia de nunca mais ver esta pessoa, pelo menos na forma que a conhecemos, nos arrasa. Mas ficamos mais ainda aterrorizados com a constatação de que a nossa vez está chegando… A fila tá andando e rápido !

O que me revolta hoje é o sentimento de urgência pra tudo. Há uma cobrança velada coletiva para que todos sejam obrigados a saber o que está acontecendo no universo em tempo real. E pior, uma cobrança maior ainda para sermos felizes, o que interessa é o aqui e agora. Se você está triste, coisa mais normal do mundo, logo alguém sugere um psiquiatra, que receita 20 mg de Prozac ao dia para você voltar a ser feliz, nem que seja artificialmente.

As 24 horas do dia definitivamente tem sido poucas. Tanta coisa pra fazer,tanta experiência pra viver, tanto prazer pra sentir, que uma simples fila no aeroporto ou o fato do Whatsapp sair do ar nos abala visceralmente.Somos privilegiados e eleitos por existir neste momento histórico da humanidade, daí o hedonismo tornar-se a cartilha oficial não demorou muito a acontecer.

Somos tão bombardeados com tanta informação no dia a dia que o nosso conhecimento ficou raso e fragmentado. Sabemos de tudo, mas não sabemos de nada. Enganamos bem, mas a quem?

Com todo este imediatismo e fragmentação, estamos perdendo a nossa essência. Passamos o dia em frente a uma tela trocando mensagens com os nossos 300 amigos do Facebook que mal conhecemos ou nos grupos de Whattsapp em que a maioria das mensagens é uma trovoada de selfies vazios, curtidas suspeitas,além da infinidade de lindo, linda , bom dia e boa noite estéreis.

Estamos substituindo o contato carnal e olho no olho tão gostoso por uma tela de LED. Nas poucas oportunidades que temos de nos reunir presencialmente, basta um assunto esfriar para todos acessarem seus malditos celulares e cada um voltar ao seu mundo autista.

Quando vou ao sítio Duas Alegrias, faço uma regressão temporal. Como lá no máximo é permitido um radinho AM/FM/OC e celular não pega, meu coração aos poucos volta a bater num ritmo normal. Faço a recarga da minha bateria essencial e volto na busca do meu self. Me abasteço da natureza, reparo no ritmo da vida das plantas e dos bichos , relembro que a lua e as estrelas ainda estão lá no céu. Visito meus vizinhos, sem marcar hora, ficamos por horas jogando conversa fora, tudo muito sem pressa e sem urgência. Definitivamente perco a noção do tempo .

Como esperado, ir ao sitio em casa não é um programa sexy , meus filhos se desesperam com a ideia de ficarem desconectados e sem contato como mundo exterior. Quando a Virginia vai comigo ela fica muito incomodada com a escuridão da noite e o silêncio principalmente. Digo que ela está com receio de reencontrá-la  e não se reconhecer !

Tem uma cidade que passo quando vou pra roça pela rodovia Fernão Dias que se chama Passatempo, fica a uns 120 km de BH. Mas que nome infeliz. Se o tempo é o bem mais precioso hoje em dia porque vamos fazer algo só pra passar o tempo? Vou propor trocar o nome da cidade por Aproveite bem-o-seu-tempo.

Quando meu ortopedista neste final de ano, disse na maior cara dura que a minha carreira de tenista estava encerrada, devido a uma gonartrose de grau 4 do meu joelho direito, que tem escala de 1 a 4 , confesso que tive vontade de mascar uma capsula com cicuta ou fazer um haraquiri na frente dele.

Chorei por dois dias, mas no terceiro já estava buscando uma piscina para voltar a nadar, um dos poucos esportes que me sobraram. Sei que ainda vou continuar sonhando que estou num rally de belas direitas e esquerdas topspin, porque afinal foram 32 anos de convivência com as bolinhas amarelas, mas com o tempo,  espero que fique apenas como uma boa lembrança de um tempo feliz que foi muito bom, mas passou.


A vida é muito curta para remoer sentimentos e ruminar emoções, não tenho tempo a perder, as minhas jabuticabas da bacia, que  antes eram muitas e eu as desperdiçava, agora que estão acabando,  tenho roído  até os caroços,  parafraseando o ótimo texto de Rubem Alves,   O Tempo e as Jabuticabas.

 Rui Sergio Tsukuda – dezembro/17

https://aposenteidessavida.com/

O Tempo e as Jabuticabas, Rubem Alves

Contei meus anos e
Descobri que terei menos tempo para viver
Daqui para a frente do que já vivi até agora…
Tenho mais passado do que futuro…
Sinto-me como aquele menino
Que recebeu uma bacia de jabuticabas…
As primeiras, ele chupou displicente…

Mas percebendo que faltam poucas,
Rói o caroço…
Já não tenho tempo
Para lidar com mediocridades…
Não quero estar em reuniões
Onde desfilam egos inflados…
Inquieto-me com invejosos
Tentando destruir quem eles admiram,
Cobiçando seus lugares, talentos e sorte….
Já não tenho tempo
Para conversas intemináveis…
Para discutir assuntos sobre vidas alheias
Que nem fazem parte da minha…
Já não tenho tempo para administrar
Melindres de pessoas que,
Apesar da idade cronológica,
São imaturas…
Detesto fazer acareação de desafetos
Qua brigaram pelo majestoso
Cargo de secretário geral do coral…
“As pessoas não debatem conteúdos…
Apenas rótulos…”
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos…
Quero a essência…
Minha alma tem pressa…
Sem muitas jabuticabas na bacia
Quero viver ao lado de gente humana, muito humana…
Que sabe rir de seus tropeços…
Não se considera eleita antes da hora…
Não foge de sua mortalidade…
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade…
O essencial faz a vida valer a pena…
E para mim
Basta o essencial!

3 comentários em “O Tempo, as Jabuticabas e o Tornado

    1. Sim com certeza Josaiane. Ótima colocação . Não deveria ser necessário vê-las acabando na bacia para valorizá-las. Mas temos tendência a ser assim, infelizmente . Só valorizamos quando estamos prestes a perder… Vamos então aproveitar bem o tempo que temos , independente da nossa idade !
      Obrigado por prestigiar o blog.
      Aproveito para convidá-la a segui – lo.
      abraço Rui

      Curtir

    2. Sim com certeza Josaiane. Ótima colocação . Não deveria ser necessário vê-las acabando na bacia para valorizá-las. Mas temos tendência a ser assim, infelizmente . Só valorizamos o que temos quando estamos prestes a perder… Vamos então aproveitar bem o tempo que temos , independente da nossa idade !
      Obrigado por prestigiar o blog.
      Aproveito para convidá-la a segui – lo.
      abraço Rui

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