É que eu tava nervoso…

Para mim, que na época era um engenheiro recém formado, conseguir um emprego na CBA, no auge da crise de emprego dos anos 80, foi um presente do tio Ossamu.

Um dia ele ligou no posto Caiomar, no final de julho de 1988:

-Mário, deixa eu falar com o Rui.

-Ossamu, ele está abastecendo uma carreta com diesel, mas já vem.

-Rui, você está ainda trabalhando de frentista de luxo do posto do seu pai e do Caio?

-Sim tio, enquando não acho emprego como engenheiro químico, estou aqui em Maringá no posto.

-Pois é, acabei de falar com o Zé Netto, ele é amigo meu e diretor industrial da CBA. Vai lá na CBA amanhã e conversa com ele. Se passar no exame médico você está empregado!

Fiquei super feliz com a boa nova. Em menos de uma hora, saímos meu pai, minha mãe e eu, em direção a Sorocaba, no Ford Del Rey 1986 do meu pai.

Nunca perguntei ao seu Mário, mas o cuidado dele em me levar de carro para a essa entrevista de emprego, devia ter relação com a sua folha de pagamento do posto, pois eu recebia o piso de engenheiro de 8,5 salários mínimos para trabalhar como frentista.

Esse emprego tampão, foi um incentivo que meu querido pai me deu assim que me formei em Engenharia Química. Serei sempre grato a ele por esse gesto, que preservou a minha autoestima enquanto estava desempregado ou melhor, sem emprego. Com certeza, eu tive o maior salário de frentista do Brasil de todos os tempos!

Na entrevista o eng Zé Netto apenas me disse assim:

-Rui você é sobrinho do meu amigo Ossamu. É um engenheiro formado em universidade federal. Para mim basta, está contratado. Mas tem que estar com a saúde em dia.

Graças ao bom Deus, fiz a minha parte e consegui passar no exame médico.

Ufa, enfim empregado!

No dia seguinte, já comecei a trabalhar como chefe da Sala Branca da fábrica Alumina, uma pequena parte da usina da CBA, onde trabalhavam 6 mil funcionários. De frentista na semana anterior, agora eu era chefe de 80 funcionários aos 23 anos!

Hoje seria impensável dar uma posição dessa à um recém formado. Mas naquele tempo, engenheiro era engenheiro e pronto, tudo muito raiz. Nada de ficar durante seis meses conhecendo a estrutura da empresa, antes de começar a efetivamente trabalhar, como fazem os trainees Nutella de hoje.

Na minha primeira reunião com os técnicos da minha equipe, que eram na sua maioria mais velhos e experientes que eu, alguns com o dobro da minha idade, comecei assim:

-Turma, eu tenho pouca experiência profissional, somente o estágio obrigatório que fiz no grupo Duas Rodas e na Fiat Lux e de frentista de posto do meu pai. Mas hoje em diante, serei o chefe de vocês aqui na Sala Branca. Apesar de novo, o meu salário é maior que o de vocês, mas eu não tenho culpa disso. Eu quero aprender muito com vocês. A minha contra partida, será retribuir com o que eu aprendi na escola e ainda está muito fresco na minha cabeça. Conto com a colaboração e ajuda de todos vocês. Obrigado.

Em 1988, as sandálias da humildade do Pânico na TV não existiam ainda, mas eu sabia por intuição, que se eu chegasse de sapato alto na primeira reunião de trabalho, eu seria hostilizado e boicotado. Me lembrei também de um documentário sobre lobos, que um lobo solitário quando quer ser aceito na alcatéia do território vizinho, ele primeiro mostra sinais de submissão se deitando no chão e emitindo grunhidos de inferioridade.

O Gustão ou melhor, Agostinho Vallerini, que depois se tornou um grande amigo, era técnico sênior da fábrica, me disse assim quando nos conhecemos:

– Seja bem vindo Rui, aqui é onde o filho chora e a mãe não vê…

Me lembrei disso ainda no primeiro mês na CBA, quando houve um grande transbordamento de soda cáustica quente na minha área. Eu de botas de borracha até os joelhos e com todos os demais EPIs, com todo piso inundado de soda, me sentei numa base de um tanque desativado e chorei de tanto desespero por não saber o que fazer…

Se a dona Mariko soubesse, com certeza, ela mandaria o seu Mario me resgatar no mesmo dia.

Mas graças ao bom Deus, sobrevivi ao primeiro ano e aos demais anos em que trabalhei lá. Naquele tempo, ter um acidente sério na usina era um risco real. Enquanto estive lá em 11 anos, houveram várias fatalidades na empresa.

Hoje com certeza trabalhar na CBA, é muito seguro com as politicas de HSE implementadas.

Em pouco tempo, fui aceito pelos operadores, técnicos e engenheiros e logo me tornei um deles, incorporando os valores e a cultura da empresa. Esse meu primeiro emprego como engenheiro, foi uma prova de fogo e um divisor de águas. Depois da CBA, tudo que veio na minha carreira foi tranquilo, café pequeno. Peanuts, como falam os americanos.

Gustão que era muito brincalhão, me dizia que eu era da elite, mas depois que entrei na CBA me tornei da Celite…

O ambiente da CBA naquele tempo, lembrava muito um presídio. Todos de uniforme azul e botas cor de zarcão e exclusivamente só homens trabalhavam na fábrica Alumina. As botas de segurança alaranjadas eram as mais feias do mundo. Depois me explicaram que a cor chocante era proposital, para evitar que os funcionários utilizassem as botas fora da usina e com isso elas durariam mais.

Quem teria coragem de sair de casa com uma dessas para ir num  shopping, por exemplo?

Quando de vez em quando aparecia uma mocinha na fábrica, a informação dos dotes físicos da garota, era passada de walkie talk de operador em operador pelos mil e quinhentos metros da fábrica, desde quando a pobre coitada colocava os pés na portaria.

Existir uma vila industrial ao lado de um grande complexo industrial, era muito comum no passado, sobretudo em lugares remotos como Carajás, Jari e Barcarena no Pará. A CBA em Alumínio-SP, era uma exceção a essa regra.

Apesar de estar bem localizada a menos de 100 km de São Paulo, era interessante ao Grupo Votorantim nos anos 50, estimular a vinda de empregados e sua fixação na região de Sorocaba, oferecendo a eles casas para morar no entorno do complexo industrial e aos solteiros haviam os hotéis dos engenheiros e dos técnicos.

Uma vila industrial é um ecossistema diferenciado. Como os moradores trabalham na empresa, respira-se a empresa dia e noite. Lá o prefeito da cidade, governador do estado, ou mesmo o presidente da república valiam menos que o diretor industrial da empresa, que na cadeia alimentar só era devorado pelo patrão, o Dr Antônio Ermírio de Moraes, ou Tonhão, para nós íntimos dele.

O aluguel que eu pagava para morar no hotel Titan ou mesmo depois de casado, na casa da vila, era apenas simbólico e descontado diretamente do meu holerite. Com isso havia a oportunidade de fazer uma poupança para a construção da tão sonhada casa própria, que era o sonho de todos nós empregados.

Um dos inconvenientes de morar na vila, era que não havia separação entre trabalho e vida privada. Para começar, eu tinha um ramal da fábrica em casa. Esse telefone tocava dia e noite. Se bem que com o celular hoje em dia, é a mesma coisa ou até pior….

O ambiente de vila industrial é o ambiente perfeito para fofocas. Era muito comum circular na rádio peão que um operador pegou a esposa de algum engenheiro, principalmente durante as greves, quando o chifrudo pelego ficava trabalhando na fábrica até a greve terminar.

Uma vez, até eu tive o meu nome circulando na rádio peão. Mas esse caso, foi verdade…

Um dia uma moça ligou no meu ramal de casa perguntando por mim. A Virgínia atendeu à ligação e a moça perguntou:

-Quem é você?

-Sou a Virgínia, esposa do Rui.

-Ué… aquele safado não me contou que era casado!, e desligou o telefone na cara dela.

Ao chegar em casa no final do expediente, a Virgínia trancou os meninos no quarto e com cara amarrada me perguntou:

-Rui, você está me traindo?

-Somente nos meus sonhos meu bem, mas aí eu não tenho culpa, né?

Depois dela explicar o ocorrido, me lembrei de um outro engenheiro de nome Rui, que estava se separando da esposa e já estava à caça novamente.

Não tive dúvidas e levei o Rui Vieira em casa para esclarecer esse assunto delicado com a Virgínia.

Agora, a fofoca mais famosa, foi o caso de dois técnicos da CBA, que foram flagrados pela esposa de um deles na cama do casal. Ele vestido com babydoll, na cena mais famosa do filme Brokeback Mountain. Ao ser indagado por ela o porquê daquilo tudo, ele respondeu:

-Meu amor, é que com as ameaças de demissão na CBA, eu tava muito nervoso!

No dia seguinte ao ocorrido, em toda usina não se falava de outra coisa.

-Você tá nervoso, Rui?

-Sai fora, claro que não!!!

Esse meme foi longe, que até nas rádios e TV s da região se falou que na região de Alumínio, Mairinque, São Roque e Sorocaba ninguém podia ficar nervoso…

Ouvi dizer que os dois técnicos envolvidos, que moravam na vila industrial, tentaram encontrar e processar por difamação quem espalhou a fofoca. Se foi verdade ou não, pelo menos eles tiveram a fama de Andy Warhol de 15 minutos.

Eu sinceramente, prefiro ficar a minha vida inteira no anonimato.

E aí, você tá nervoso hoje?

Rui Sergio Tsukuda – março/24

www.aposenteidessavida.com

8 comentários em “É que eu tava nervoso…

  1. Rui, teve uma estória parecida com essa lá na Alumar. Pegaram 2 peões (mas bem que poderiam ser engenheiros) se atracando atrás de uma subestação, e quando o chefe perguntou, um dos caras disse que estava estressado. Então, se alguém perguntasse ” Você está estressado” , já vinham as brincadeiras. Por um bom tempo ninguém se estressou por lá. Faz parte da vida! Grande abraço.

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