Cigarra ou formiga?

Vivi a minha vida inteira no dilema: Ser cigarra ou formiga. Como na fábula, temi ser a cigarra, que após curtir o verão cantando, sente fome e frio no inverno e ouve da sua amiga formiga a negativa de ajuda. E pior ainda, recebe dela uma lição de moral por ter cantado todo o verão, enquanto a formiga trabalhava.

Topei com muitas cigarras e também formigas na minha vida. Cigarras que viviam somente de aparência, exibindo carros 0 km e ostentando em festas, mas sempre rolando dívidas nos cartões de crédito e pegando ” papagaio ” no banco. E formigas, que se privavam até do básico para depositar o seu rico dinheirinho na poupança ou no colchão.

Neste último caso, se encaixam os irmãos Dona Chica e Seu Tião, meus vizinhos do sítio Duas Alegrias. Na casinha simples da roça eles viviam na penúria, apesar da aposentadoria do INSS que cada um recebia. Eles não tinham geladeira, TV ou fogão à gás e economizavam tudo o que podiam pensando sempre no “futuro” .

Há alguns anos, os dois faleceram. A Dona Chica, foi a última a falecer. Os parentes dela, desconfiados que haveria uma pequena fortuna no casebre, entraram nele, rasgaram os colchões e abriram os potes de Leite Ninho que estavam bem escondidos. Sem muita surpresa, encontraram muito dinheiro acumulado, confirmando o que a boca pequena da região já suspeitava.

Quando comprei o sítio, o dinheiro no colchão na casa deles foi a primeira fofoca que ouvi dos meus vizinhos. Eu nunca entendi porque nesses anos todos, nenhum amigo do alheio aproveitou a oportunidade de um furto fácil, já que nem trinco com chave a casinha tinha.

As formigas estufam o peito e dizem convictas às cigarras:

“A vida pode ser curta, mas ela pode ser muito longa também… “

O meu tio avô Saburo Nakatsukasa ou Seu Pedro Nakashi, como gostava de ser chamado, foi uma cigarra escarrada. Da sua riqueza e poder, ficou apenas a rua que leva o seu nome em Londrina no Paraná.

Nos anos 50 , ele e o irmão Seu Orlando, fizeram fortuna com a primeira retificadora de motores do Norte Pioneiro. Meu pai, que era o controller da empresa, contava que no final da tarde, socava o cofre com os pés para poder caber nele toda a féria do dia.

O Seu Pedro foi um verdadeiro bon vivant dos anos 50/60/70. Nesse período, ele não perdeu uma olimpíada ou copa do mundo de futebol sequer. Quando chegava um automóvel de luxo na concessionária Chevrolet da cidade, ele era descarregado na garagem da Retificadora Nakashi para que o meu tio fizesse o seu test drive exclusivo.

Os políticos o bajulavam . Quando chegava algum membro da família real japonesa na região, ele era apresentado como o maior empresário da colônia japonesa da cidade.

A vida amorosa dele era bem agitada. Além da esposa, ele tinha uma amante fixa e outras “amigas”. Eu não entendia como a minha tia era tão submissa a ponto de aceitar essa situação. Ao sair de sua casa para a residência da número 2, ele muito educado, avisava à minha tia: ”

Okusan , tô indo para casa da amante, não se preocupe viu?”

Aos filhos , ele deixava claro que gastaria toda a sua fortuna em vida e que nada deixaria para eles.

Para isso, era importante que cada um tivesse um diploma universitário. Ao ouvir do mais velho que queria se um administrador de empresas, não pensou duas vezes e sacou o telefone ligando para um reitor de universidade:

” Por favor, peço providenciar um diploma de administrador de empresas ao meu filho, o nome dele é: …. ”

Como era esperado, a sucessão na empresa foi um desastre. Pouco a pouco, a Retificadora Nakashi foi se definhando e as dívidas se acumulando. O Seu Pedro, com vergonha do seu novo status social, foi se refugiar em Guarapari-ES com a fiel esposa. Já a amante ficou em Londrina, pois já estava rica com os mimos ganhos do meu tio e o abandonou.

No final da vida, já viúvo e debilitado pelo câncer, voltou a Londrina e passou a morar de favor numa casa simples de madeira. O meu pai, foi umas das poucas pessoas que ainda o visitava e ajudava. Na última visita que fez a ele, ouviu dele:

” Mário, você poderia comprar para mim um colchão novo e um saco de komê (arroz)? O meu colchão está bem velho e o arroz já está acabando.” Vale ressaltar que para um japonês, faltar arroz em casa é muito triste e humilhante.

Tenho percebido pelo comportamento dos meus filhos, que a geração deles tem preferido ser mais cigarra que formiga. Com certeza nenhum deles entraria hoje num financiamento de casa própria como eu fiz ao me casar, sem perceber que eu pagava não uma, mas três casas com os juros acumulados pagos à CEF.

Mas será que não haveria como assobiar e chupar cana ao mesmo tempo? Ou ser um híbrido, nem formiga, tampouco cigarra?

Hoje, o imediatismo de viver o presente é imperativo. A felicidade é aqui e agora. O passado já foi e o futuro é apenas uma possibilidade.

Mas neste momento, o case do tio Pedro insiste em martelar como uma bigorna na minha cabeça…

Rui Sergio Tsukuda – maio/23

https://aposenteidessavida.com/

10 comentários em “Cigarra ou formiga?

  1. Rui
    Fui formiguinha muito pequena, pois assalariado não consegue guardar muito.
    Me orgulho em ter formado minhas filhas e ter construído minha casa.
    Hoje, ainda trabalho e vivo intensamente a vida!
    Como vc bem escreveu, “o futuro é uma possibilidade”
    Abraço meu amigo

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      1. Oi Elton, obrigado pelo comentário. Continue passando por aqui e compartilhe os posts aos seus contatos.
        Abraço

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    1. Oi Rui, tava sentindo falta da sua crônica! Que história essa do seu tio! E será que Dona Chica e seu Tião, na simplicidade deles, algum dia foram felizes? O tempo tá passando rápido demais!! Abraços, primo!!!

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      1. Oi Neide, quem sabe , né? Muitos encaram a dificuldade como provação divina.
        Obrigado pelo comentário prima.
        Continue passando por aqui.

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  2. EQUILÍBRIO! Para mim, essa palavra resume tudo. Trabalhar duro, mas desfrutar o presente fazendo a dureza do dia dia valer a pena no presente momento. Entenda desfrute como as pequenas coisas que o dinheiro não compra. O dinheiro deve servir apenas para dar uma pitada de açúcar nessas experiências. Nada de exuberâncias, nada de dar um passo maior que a perna. Nunca esquecer esquecer do amanhã, porque apesar da máxima “pra morrer basta estar vivo”, vida longa pode ser sim um presente divino e é preciso estar preparado para isso, mantendo a constância: desfrutar o presente, com uma pitada de açúcar, até que os nossos dias cheguem ao fim. É certo que percalços acontecem pelo caminho, mas quando há equilíbrio, os problemas tornam-se todos administráveis 🙏🏻

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    1. Olá Bruna, eu diria que a maior dificuldade para se chegar ao equilíbrio é a disciplina financeira. Gastar é muito gostoso e as tentações são enormes. Obrigado pelo comentário. Lhe convido para se cadastrar no blog.

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