Ansiedade, muito sofrimento por nada

Hoje que tenho mais passado que futuro, lamento não ter aproveitado melhor as oportunidades que tive na vida por conta da maldita ansiedade. Foi muito tempo perdido por preocupações e temores infindáveis em situações para mim potencialmente ameaçadoras, mas racionalmente sem sentido.

Do Wikipedia, selecionei as duas melhores definições que encontrei para esse sentimento:

1) Ansiedade é um sentimento vago e desagradável de medo, apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho.

2) A ansiedade é um sentimento de inquietação e preocupação, geralmente generalizado e sem foco, como uma reação exagerada a uma situação que é apenas subjetivamente vista como ameaçadora.

O circulo vicioso da ansiedade se perpetua porque como os eventos potencialmente ameaçadores não se confirmam na grande maioria das vezes, o ansioso conclui que isso foi devido as ações preventivas e contingenciais tomadas durante o estado de ansiedade. Assim, diante de nova ameaça potencial, o cérebro envia um sinal ao sistema nervoso deixando a pessoa em alerta, disparando todo o processo doloroso novamente.

Não sei se cabe bem, mas lembrei de Sísifo da mitologia grega e a sua punição exemplar de rolar diariamente uma pedra montanha acima até o topo. Ao chegar lá, o peso da pedra e a exaustão de Sísifo não impediriam a pedra rolar novamente até o chão e no dia seguinte ele deveria começar tudo novamente num castigo sem fim. Essa punição foi dada a Sísifo por tramar contra os deuses.

O problema é que no mundo moderno, os gatilhos que disparam a ansiedade estão em todos os lugares e não é privilégio de nenhuma classe social ou etnia. Adaptar as mudanças repentinas de cenários, cobranças / desafios cada vez mais urgentes no trabalho e na vida pessoal e manter-se atualizado à tecnologia que evolui rapidamente, é um prato cheio para desencadear muitas doenças mentais, entre elas a ansiedade.

As viagens internacionais para mim sempre foram pesadelos, desde que eu era informado de ter que viajar. Se para muitos seria motivo de alegria, para mim era o início do meu calvário. Eu sofria por motivos racionalmente sem sentido e fora do meu controle, como por exemplo: Se as minhas malas chegariam ao destino final da viagem. Foram todas viagens muito tensas, algumas delas em classe executiva que não consegui apreciar a boa comida e bebida e outros mimos que eram oferecidos.

Ao desembarcar em Barcelona na Espanha, como sempre, eu fui um dos primeiros a me postar em frente à esteira rolante de bagagens. A minha ansiedade foi aumentando à medida que a esteira foi ficando cheia de malas e nada da minha aparecer.

As pessoas ao meu redor até comemoravam quando reconheciam a sua querida mala. Eu olhava aquela cena brega com uma inveja desgraçada e nada da minha mala chegar…

Depois de meia hora mais ou menos, sobravam apenas algumas malas pingadas que giravam tristes na esteira.

Peguei a alça de uma das malas e pensei:

” Essa aqui é a cara da minha, será que não é ela não? ”

Essa situação me fez lembrar de um caso ocorrido com um conhecido meu, que ao voltar ao estacionamento de um supermercado em Sorocaba após as compras, não encontrou mais o seu carro que fora roubado: ” Mas será que eu vim mesmo de carro ao supermercado hoje ou peguei uma carona com a minha filha?”

Haviam também comigo duas moças azaradas, que como eu ainda esperavam aflitas por suas bagagens.

“Pelo menos não estou sozinho”, foi o que pensei.

Interessante como esse fato é um consolo natural e universal. Mesmo sem conhecê-las, tínhamos algo em comum e isso nos aproximou.

Até… que as malas das duas moças chegaram também e eu fiquei completamente sozinho em frente aquela esteira fria que girava.

Ainda ouvi de uma delas antes de me abandonarem:

“Fique tranquilo amigo, a sua mala vai chegar…Boa sorte!”

Totalmente desolado e sozinho no mundo, me sentei num banco e olhei pra cima contemplando a linda arquitetura do teto do aeroporto, que tinha um pé direito muito alto em que vidros translúcidos eram mesclados com estruturas tubulares de aço. Respirei fundo e pensei:

“É Rui, o que você mais temia aconteceu!”

“E daí?”

“Tanto sofrimento para que?”

“Você morreu por conta disso?”

“Agora só resta ir até a companhia aérea e preencher a ocorrência da mala extraviada. Ainda bem que a Virgínia colocou algumas roupas na mala de bordo. Se a mala demorar a chegar, você compra umas mudas de roupas novas, pronto tá resolvido!”

Para encurtar a história, a minha mala havia sido confiscada na vistoria de raio x por suspeita de drogas. Um grande mal entendido porque confundiram as sementes do meu kit de ração humana com haxixe, que foi logo esclarecido e a mala finalmente liberada. Até comi as sementes na frente dos policiais para mostrar que era comida de verdade!

Diferente do medo, que é uma reação diante a uma ameaça real, a ansiedade é subjetiva e depende da imaginação. Por exemplo, a Paloma, a minha melhor égua do sítio, sente medo ao ver uma cascavel e reage relinchando e sai rapidamente do alcance do bote da cobra. Entretanto, ela não sofre por antecipação por uma cobra que possa eventualmente cruzar com ela amanhã ou daqui alguns dias no pasto …

Se o homo sapiens está reinando soberano sobre a Terra hoje, muito é devido à ansiedade e ao medo, mecanismos básicos de sobrevivência que nos trouxeram até aqui. Há os fortunados que lidam bem com a ansiedade, até tiram proveito dela. Outros como eu padecem desse mal, mas ainda conseguem se manter positivos e operantes. E finalmente, existem os que sucumbem e ficam incapacitados pela doença.

O meu amigo Fábio Oliveira (sim, é aquele mesmo da crônica Relato de um obeso crônico publicado aqui no blog), é um desses irritantes camaradas que não sofre de ansiedade. Se ele teve ansiedade um dia, esqueceu que teve. Bom pelo menos, é o que ele demonstra.

Como trabalhávamos na mesma empresa, nós viajamos juntos muitas vezes no mesmo voo no trecho CNF – GRU ou VCP. Enquanto eu era um dos primeiros a esperar pelo embarque na fila do portão antes da chamada do voo, ele tranquilamente continuava sentado na sua cadeira e sempre era um dos últimos a embarcar no avião.

O meu temor de não achar lugar para a minha mala no compartimento de bagagens acima das poltronas era o fantasma travestido de ansiedade que eu tinha. E ele não era totalmente infundado assim, pois com a cobrança de malas despachadas, os passageiros passaram a levar mais malas de bordo e com isso, os últimos a embarcarem passavam muito aperto para encontrar lugar para as malas, tendo até que despachá-las na carga do avião.

Um dia, Fábio me propôs o desafio de deixar de lado a minha ansiedade por um momento e acompanhá-lo no embarque do voo daquele dia. Como eu estava de boa, aceitei.

Continuamos sentados nas nossas cadeiras em frente ao portão de embarque do voo. Uma pequena fila já se formava no portão, enquanto uma comissária da Azul já organizava as plaquinhas de embarque. Então, logo em seguida, uma outra comissária pegou o microfone e anunciou a chamada do voo.

Ao ouvir esse chamado, o meu coração já acelerou e a minha primeira reação foi me levantar e tomar o meu lugar na fila, pois conforme o meu protocolo interno de ansioso eu já estava bem atrasado. Mas olhei para o Fábio, que me lembrou do meu compromisso assumido com ele:

“Calma, Rui. Fica sentadinho aí!”

Para tentar distrair, fui ao banheiro mais uma vez fazer xixi, mas a bexiga ainda estava vazia porque nem fazia 15 minutos da última urinada. Me sentei novamente na cadeira ao lado do Fábio e peguei o meu celular fingindo para mim mesmo trabalhar um pouco lendo os emails do dia. Mas eu continuava tenso e começava a suar frio. Ao perceber que eu estava muito incomodado com a situação, Fábio me disse:

“Calma Rui, vai dar tudo certo, confie em mim. Relaxa!”

Primeiro embarcaram os passageiros portadores de deficiências físicas, crianças, mães com bebês e idosos, depois os que tinham os cartões fidelidade diamante e safira, em seguida foram chamados os passageiros das poltronas do meio para o final da aeronave e finalmente embarcaram os que tinham as poltronas do início até o meio. Foi a primeira vez na vida, que eu presenciei um embarque de voo completo em que eu era passageiro desse mesmo voo!

Ao entrar o último passageiro no finger, olhei para o meu amigo e quase que supliquei:

“Podemos ir agora Fábio?”

“Ainda não Rui. Calma rapaz! O finger ainda tá cheio e o corredor do avião também. Vamos ficar muito tempo em pé por nada, fica quietinho aí. Relaxa!”

Depois de uns dez minutos, com o portão de embarque já vazio, uma comissária toma o microfone novamente e anuncia:

“Chamada do voo AD 2658 com destino a Campinas: Sr Rui Tsukuda e Fábio Oliveira. Gentileza se dirigirem imediatamente ao portão 3, esta é a sua última chamada!”

“É Rui, agora podemos ir!”

Ao ouvir a ordem do meu amo e senhor para eu finalmente me levantar, pensei maldosamente:

“Com certeza eu vou me ferrar, porque com todas aquelas malas de bordo não deve ter sobrado nenhum lugarzinho para a minha malinha e terei que despachá-la, com isso chegarei atrasado à reunião no cliente. “

“O meu consolo é que o Fábio vai se ferrar comigo também! Se isso acontecer, todo o meu sofrimento já terá valido a pena! hehehehehe.”

Ao entrar no finger, ele olhou pra mim e falou:

“Olha Rui, que beleza, não tem ninguém no finger e o corredor do avião também estará vazio, com certeza! “

Ao entrar no avião, já praticamente lotado com os passageiros sentados e acomodados. Para a minha surpresa, duas comissárias de voo gentilmente pegaram as nossas malas e as acomodaram no bagageiro sem nenhum problema.

O pior de tudo foi ouvir do meu querido amigo:

“Viu Rui. Não falei para você relaxar, que tudo ia dar certo?”

“É … cê tem razão!”, foi o que sobrou eu responder a ele.

Hoje aposentado, o meu coração bate desacelerado com a vida tranquila e mais previsível, com isso os gatilhos que dispararam a ansiedade diminuíram exponencialmente. Quando eventualmente, aparece uma ou outra situação iminente em que percebo que o monstro sairá da toca e vai dar merda, eu faço o exercício de lembrar desses dois causos com finais felizes e me acalmo.

Além disso, as sessões de psicanálise me ajudaram no meu autoconhecimento e as técnicas de respiração que aprendi com a Virgínia, que é yogin, oxigenam o meu cérebro e me dão clareza para reduzir o problema imaginário ao tamanho que ele é. Assim o leão vira um gatinho!

Não sou nenhum especialista em ansiedade, mas aos que sofrem com essa doença como eu, acho que o primeiro passo é reconhecer que o problema existe e depois procurar ajuda. Nisso vale tudo, desde psicólogo, psiquiatra, padre, ancião, pastor, yogin, babalorixá e até ialorixá.

Só não vale desistir de lutar. Porque como vocês viram, a ansiedade é no final das contas muito sofrimento por nada… Muitas trovoadas para nenhuma ou pouca chuva!

Rui Sergio Tsukuda – setembro/21

https://aposenteidessavida.com/

6 comentários em “Ansiedade, muito sofrimento por nada

  1. Que beleza, Rui!
    Foi didático e empático, compartilhando o que é sentir na pele a ansiedade. Eu, como você, sei o que é isso e inclusive faço tratamento e terapia, que considero o melhor investimento que já fiz.
    Sua forma de escrever me faz conhecê-lo um pouco, mesmo nunca o tendo visto pessoalmente.
    Continue assim, espalhando sua forma de ver a vida que faz bem a todos seus leitores!
    Grande abraço!!

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